Conforme livreiros, público busca compreender questões como o avanço do conservadorismo
Com a 68ª Feira do Livro de Porto Alegre prestes a chegar ao fim nesta terça-feira (15), já é possível afirmar quais foram os temas mais procurados pelos leitores que compareceram à Praça da Alfândega durante o evento. Entre o público infanto-juvenil, o gênero dominante foi o romance. Já entre os adultos, fizeram sucesso obras que “explicam” o atual momento político do país.
A escritora norte-americana Colleen Hoover é o maior fenômeno da 68ª Feira do Livro, conforme as bancas consultadas pela reportagem de GZH. É o sucesso feito por ela, aliás, que levou o chamado “romance adolescente” a figurar como o gênero mais vendido desta edição.
— Colleen Hoover é o hype do momento, não tem o que fazer (risos). O livro dela é o mais vendido — garante Juliana Duarte, livreira da AJR Distribuidora.
O sucesso é tanto que, faltando um dia para o encerramento do evento, já é difícil encontrar as obras da autora nos estandes. Os mais buscados são Assim que Acaba e Assim que Começa, livros que juntos formam a série mais famosa da autora e que já estão esgotados nas bancas visitadas pela reportagem.
Com o estoque de Hoover vazio, o jeito é oferecer outras alternativas ao público juvenil que busca por romances. Aí, o que vem brilhando são as histórias de amor protagonizadas por personagens LGBT+. É o que destaca Ana Paula dos Santos, da Livraria Cervo.
— O livro mais vendido é da Colleen Hover, disparado. Mas, dentro dessa temática dos romances adolescentes, também há uma procura grande por histórias LGBT+. Um livro que vende muito é o Heartstopper, que ganhou inclusive uma série na Netflix — diz a livreira.
Depois do fenômeno Colleen Hoover, o que chama atenção é a grande procura por livros que desvendam os meandros da política brasileira. Há interesse por obras que se propõem a explicar o avanço do conservadorismo, a ascensão de Jair Bolsonaro e do bolsonarismo e as ameaças à democracia vistas no período pós-eleições.
Conforme Agnes Letevinski, da livraria Mania de Ler, a temática política é buscada tanto por leitores de esquerda quanto de direita. A diferença é que, enquanto os primeiros optam por obras que fazem uma leitura histórica do momento atual, os outros buscam livros escritos pelos chamados “ídolos da direita”.
— O pessoal está buscando muito por publicações que explicam o fascismo. As pessoas dizem que estão tentando entender como o país chegou neste momento. Isso ocorre dos dois lados, tanto de esquerda quanto de direita. Porém, a maioria da literatura nesse sentido de análise é voltada para a esquerda. Da direita, o que o pessoal busca são esses “ídolos da direita”, como Olavo de Carvalho e Rodrigo Constantino — explica.
Na editora Zouk, onde o tema da análise política é o carro-chefe, os mais vendidos são as edições próprias Democracia Precária, de diversos autores, e O Novo Conservadorismo Brasileiro, de Marina Basso Lacerda. Na Libretos, a tentativa de compreender o Brasil atual se repete, com vendas altas das obras O País da Suruba, de Ayrton Centeno, e Neoliberalismo: Desmonte do Estado Social, de Plauto Faraco de Azevedo. Na Dublinense, o destaque é Fake Fiction, “um livro de contos inspirados nesse Brasil de fake news e estratégias políticas sórdidas”, conforme explica a livreira Alice Xavier.
Já na A Página, onde o fenômeno se repete, estão entre os mais vendidos os livros Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, O Negócio do Jair, de Juliana Dal Piva, que investiga origens do patrimônio da família Bolsonaro, e a biografia de Lula escrita por Fernando Moraes. Na livraria, outro tema também chamou atenção dos livreiros: crimes reais. É uma temática que já vem fazendo sucesso nas produções de televisão — vide o sucesso recente de Dahmer: Um Canibal Americano, série da Netflix focada no serial killer Jeffrey Dahmer — e que, conforme o livreiro Leonardo Malcon, também respingou na literatura.
Esse fenômeno das séries sobre serial killers está implicando nos livros também. O livro BTK, da editora DarkSide, sobre o assassino da máscara, tem uma rotatividade gigantesca, por exemplo. Não é nem o meu estilo de leitura, mas eu li para me inteirar e ajudar na hora das vendas, porque a procura é extraordinária. Lady Killers, também da Darkside, sobre assassinas em série, é outro que está vendendo pra caramba — afirma.
Além disso, seguem performando bem em praticamente todas as bancas consultadas pela reportagem os livros espíritas e de autoajuda. Não consistem em um fenômeno, pois os temas sempre são procurados pelo público da Feira do Livro, conforme os livreiros. A diferença agora talvez seja uma busca maior por obras que ajudam a lidar com a depressão e a ansiedade, como aponta Vera Lúcia Pinheiro, da Livraria Chick, especializada neste nicho de publicações.
— Acredito que pode ser um reflexo da pandemia, né? Está todo mundo buscando se ajudar de alguma maneira. A gente sempre vendeu bem esse tema, mas houve um aumento — aposta ela.
O consenso entre os livreiros é que, seja qual for o gênero ou a temática procurada pelos leitores, o que mais faz sucesso é sempre o saldão. No fim das contas, o que o público da Feira do Livro quer é pagar barato, independentemente da preferência.